sexta-feira, 2 de julho de 2010

Deu Holanda!

   Edmílson era um valdevinos, o maior da paróquia! Um sorrisinho de esguelha e a face cínica, trazia sempre depois de assistir o jogo no bar. E vinha cambaleando, se escorando nas paredes para almoçar em casa. A mulher trabalhava fora; saía bem cedo e só voltava à noite, cansada, a tempo de comer e ir dormir. Edmílson, desempregado, enrolava a pobre dizendo que nada lograva nas extensas caminhadas que fazia a ver se achava trabalho. Em verdade, ficava metade do tempo na galhofa e outra a encoxar a diarista. Neste particular, tinha uma queda pelas mulheres, fosse de que estirpe, origem ou enlevo - rezava em todas as cartilhas, mas defendia um só time! E nem era bonito não; confiava na sua quebrada meio pelintra para enredar as graças de alguma menina, pois era das novinhas que gostava! Daí o fato de não deixar a moça da faxina em paz e ai dela se agachasse para escovar um rodapé. Longe, claro, dos olhos da esposa que pensava ser o marido um homem de bem.
   O entrave era a sogra, velha sabida, que sentia o cheiro de safadeza desde que Ana Maria anunciou o noivado. E implicava o mais que podia com o caráter leviano do genro. Porém, a vida tem desses desencontros e deu à velha mal disso, mal daquilo e a fez cair de langorosa enfermidade em cima do leito. Emagreceu, empalideceu - quase morreu! Quase! Mesmo com a dificuldade para andar, mesmo com as necessidades de um ente convalescido, ela manteve-se firme, de olhos bem abertos para as escapadelas de Edmílson. Vendo assim a mãe doente, Ana Maria instou para que ele aproveitasse o tempo livre e cuidasse da mãe, fazendo mil recomendações para poder trabalhar sossegada.
   As novas atribuições deixaram Edmílson com a gota: dava comida, remédio, levava ao banheiro e limpava: - ''bem que a empregada podia fazer isso'' - pensava. Mas Ana Maria não queria correr riscos de ver sua mãe maltratada: - cuide dela você que é genro! - dizia. Ele tinha razões particulares para sopear seus resmungos: a mulher era dona da casa e o sustentava. Ademais, todo dia cinco, levava a sogra para retirar a pensão no banco - e só por isso o esforço já valia! Se ela acaso engasgasse, dava uns tapinhas de leve no rosto dela: - dona Leonice, não morre, não! O que será de nós? O que será de sua filha sem a senhora? - querendo dizer: - ''o que será da pensão?'' - Sempre sobrava um trocado para a cervejinha ou para o Bicho, além de ser uma ajuda e tanto no orçamento: ela patrocinava o ócio dele.
   Por essa época, vizinhos novos se mudaram para a casa ao lado: um casal jovem e a mãe de meia-idade da moça. Travaram logo amizade e ficaram muito íntimos, a ponto de passarem juntos os feriados religiosos. De vistas compridas naquela moça, Edmílson fez algum malabarismo para impressioná-la. Ela, afetando fidelidade, não deixou que passasse de alguns abraços mais apertados, beijinhos no pescoço e mão atrevida. Entretanto, sua mãe, aquela de meia-idade, viúva e sacudida, assanhou-se e desfazia-se em sorrisinhos e piscadelas ao chegar o Edmílson. E como Ana Maria dispensara a diarista fresca e trocara por uma gorducha cheia de varizes, seu  passatempo era ir encontrar-se na alcova com a tal jovem senhora, quando o casal e sua mulher saíam para o trabalho. Recebia-o aquela com uma lingerie vermelha e o rosto afogueado pelos copinhos de batidinha mentolada - Edmílson se refestelava em suas carnes.
   A sogra percebia tudo e tentava denunciá-lo com voz pastosa e mole. Edmílson afirmava que eram delírios da senilidade e, na companhia da amante, chegou por fim a desejar que a velha morresse: - aquele estafermo está durando! Se vem uma tosse mais funda, penso que é a hora! Nada! Está carcomida, mas resiste! Bem que se ela empacotasse, eu voltaria à minha vidinha mansa; mas sob a patrulha da velha, eu não dou um passo em falso! Ah, eu renunciaria até à pensão e me empregaria! Meu Deus, o que digo? Não vou prometer o que não cumpro! - e riam ele e a outra. 
   Vieram então os jogos da Copa do Mundo e os vizinhos combinaram de ver juntos cada partida do Brasil. E para a festa preparavam comida da boa, tudo regado à muita bebida. Torciam e quando vinha o gol, Edmílson abraçava a vizinha e dava um beliscão disfarçado na mãe. E a sogra, deixada assim para trás, cuidava o Edmílson que não tardava fazer a passagem: - ''mas que não fosse em dia de jogo do Brasil! Tem é graça parar no cemitério na final da Copa!'' - Só que o destino tem aqueles tais desencontros: quando a seleção brasileira foi enfrentar a holandesa, Edmílson, apostando na vitória, empanturrou-se de feijoada, tomou muita cachaça e cerveja; teve um mal súbito e caiu duro. 
   No velório, dona Leonice, apoiada na filha, chegou vagarosamente e abaixando a cabeça, falou perto do ouvido do defundo: - deu Holanda!  

4 comentários:

Anna Cecilia disse...

Adorei! Tive que rir desse final! O malandro se f***** e a velhinha resistiu bravamente e ainda se vingou!
O brinde aos desencontros da vida!

Gabrielle Violet disse...

kkkkkk...impagável!Muito bom!

Sandro Félix disse...

Adorei! Gostei da linguagem, do encontro com o cotidiano "logo ao lado" e do final absolutamente venenoso! Nos desconhecimentos de "tudo" o que se lhes apresenta, cada qual teve um final "venenoso": a velhinha permaneceu doente e trôpega: vingada, mas sem happy end; a esposa perdeu o seu bom e pouco afortunado marido; a mãe da vizinha perdeu o amante; o casal vizinho perdeu o "bom companheiro" de farras e conversas; Edmílson se fodeu e, ainda, o Brasil perdeu o jogo! Boa prosa, Mau Prosador!

Learning English Online disse...

Bem legal!

Como estamos em 2018, fiquei pensando na personagem assistindo ao Brasil e Alemanha, rsrs. Muito bom. Invista neste filão.